domingo, 26 de outubro de 2014

A PRÁTICA DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR

Os textos anteriores focalizaram a avaliação institucional e a avaliação de sistemas. Julgamos necessário agora tratar especificamente da "avaliação da aprendizagem escolar", tema freqüentemente polêmico nas comunidades escolares. Este texto pretende contribuir para levantar alguns pontos das práticas da avaliação escolar.
A avaliação é um processo sistemático e não apenas um resultado.
Como tal, deve acontecer ao longo de todo o período letivo. Desta forma, não faz sentido limitar a avaliação a momentos especiais. Ao privilegiarmos em demasia esses momentos, jogamos toda a luz sobre eles, obscurecendo assim o processo cotidiano da aprendizagem.
A avaliação, quando não restrita ao julgamento sobre sucessos e fracassos dos alunos, é um conjunto de atuações com a função de alimentar, sustentar e orientar o processo pedagógico. Para tanto, ela tem que ser contínua e sistemática, baseada na verificação da aprendizagem do aluno.
A avaliação pode fornecer ao professor subsídios para uma reflexão constante de sua prática, bem como favorecer a utilização de novos instrumentos de trabalho. Para o aluno, é o instrumento de tomada de consciência de suas conquistas, dificuldades e possibilidades, o que lhe facilitará a reorganização da sua tarefa de aprender. Para a escola, possibilita definir prioridades e localizar os aspectos das ações educacionais que demandam maior apoio.
No cotidiano das práticas de avaliação nas escolas, o que constatamos é que, às vésperas das avaliações, muitos alunos vão procurar saber `qual é a matéria'. Os conteúdos programáticos se transformam então em algo de que se precisa para `passar', uma espécie de "vale-transporte". Essa é ainda, infelizmente, a realidade mais freqüentemente encontrada em nossas escolas. E, mais uma vez, as crianças mais carentes das escolas públicas ficam em desvantagem, pois não têm como pagar aulas particulares de reforço à aprendizagem.

O que se vê na prática da avaliação do professor, em geral, são procedimentos metodológicos inadequados, onde se utilizam muito mais provas e testes do que outros instrumentos de avaliação, como por exemplo, observações sistemáticas dos alunos. O professor, no dia a dia, está mais preocupado com a questão da medida ou da verificação do que propriamente com a aprendizagem do aluno ou de como trabalhar os conteúdos de forma mais motivadora. Ele está muito mais voltado para a atribuição de notas, coerente com a sua compreensão limitada da avaliação.
É importante lembrar que há diferentes funções que devem ser consideradas em relação à avaliação. O que se encontra ainda muito na escola é a avaliação com funções controladora e classificatória. O professor que usa em sua prática ações punitivas (como por exemplo, tirando pontos do aluno por conta de sua indisciplina em sala de aula) está exercendo a função disciplinadora, controladora. A função classificatória da avaliação predomina quando a única preocupação do professor está em atribuir ao aluno uma classificação, através de notas ou conceitos.
Muito mais importante do que essas funções é a função diagnóstica, que é aquela que detecta as falhas na aprendizagem dos alunos, para que o professor possa saná-las. Ou seja, requer uma atitude do professor para rever seus procedimentos de ensino e atender às necessidades de aprendizagem dos alunos. A avaliação, repetimos, deve ocorrer como um processo sistemático e não apenas como um resultado. Essa é a idéia que precisa ser compreendida e assumida pelos profissionais da educação.
É nessa ótica que entendemos a avaliação continuada, que nada mais é do que a avaliação durante todo o processo de ensino-aprendizagem, cujos objetivos transcendem em muito a tarefa de aprovar ou reprovar. A avaliação continuada previne a repetência, porque ressalta a necessidade de se corrigir as deficiências ao longo do ano letivo. Não faz sentido, assim, aplicar apenas uma prova, seja bimestral ou semestral, depois que todas as aulas já foram ministradas e, com base nesse resultado, decidir pela aprovação ou reprovação dos alunos.
A avaliação continuada se utiliza de vários instrumentos, tais como: provas, testes, trabalhos individuais e de grupo, observações sistemáticas, trabalhos de casa etc.
É importante destacarmos a diferença fundamental que existe entre a avaliação continuada e a promoção automática, já que são tratadas erroneamente como sinônimos. A avaliação continuada é processual e diagnóstica, não pode ser confundida com a promoção automática, mecanismo através do qual são aprovados todos os alunos, ao final de cada período letivo.
Para que a avaliação continuada se efetive, a melhor estrutura curricular é o regime de ciclos e não o de seriação. Na década de 80, houve uma reestruturação do ensino fundamental, com a seriação inicial dando lugar ao ciclo básico com a duração de dois anos. O objetivo era propiciar maiores oportunidades de escolarização voltada para a alfabetização, entendida como um processo que necessita de maior tempo do que o estabelecido na estrutura escolar.
O documento oficial "Parâmetros Curriculares Nacionais" - PCN -(MEC,1997) adota a estruturação por ciclos (e não mais séries escolares). Os parâmetros estão organizados em ciclos de dois anos: o primeiro se refere às primeira e segunda séries; o segundo ciclo, à terceira e à quarta séries; e assim subseqüentemente para as outras quatro séries.
A organização por ciclos possibilita uma maior flexibilidade, necessária para se trabalhar melhor as diferenças entre os alunos. Tende a evitar as freqüentes rupturas e a excessiva fragmentação do processo educativo. Permite a continuidade do processo, porque abre espaço para os professores fazerem adaptações da ação pedagógica às diferentes necessidades dos alunos, respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um.
Para que a avaliação continuada aconteça de fato - e não mascarada pela prática da promoção automática - é vital a existência de uma estrutura que lhe dê sustentação. Tal estrutura inclui o preparo do professor para atuar nesse tipo de prática, condições institucionais de espaço e tempo e, também, a conscientização das famílias. A avaliação continuada de qualidade requer apoio e pode ser mais trabalhosa, mas apresenta vantagens porque permite ações corretivas mais frequentes.
A Prova é apenas uma das formas de se gerar Nota, que por sua vez, é apenas uma das formas de se Avaliar. (Vasconcellos, 1993)
Em relação às diferentes formas de se avaliar, há algumas questões que merecem ainda ser colocadas. Provas e testes não devem ser descartados, mas também não podem ter exclusividade. Há outros tipos de avaliação que devem ser complementares às avaliações do desempenho escolar, tais como a auto-avaliação, que é uma forma do professor dividir a responsabilidade pela avaliação com o aluno e deste desenvolver estratégias de análise e interpretação de sua própria atuação e dos diferentes procedimentos para se avaliar.
A diversidade de instrumentos de avaliação é a estratégia mais segura para obter informações a respeito dos processos de aprendizagem. É fundamental a utilização de diferentes códigos, como o oral, o escrito, o gráfico, o pictórico, o numérico. Além da prova e do teste, podem-se acrescentar a observação sistemática (através de registros em tabelas, listas de controle, diário de classe etc.) e a análise das produções dos alunos. (MEC, 1997)
Outra questão a se destacar é o entendimento do papel do erro e do insucesso do aluno no processo de aprendizagem. Hoje, há a visão do erro como elemento-chave para identificar lacunas de compreensão e resolvê-las; ao invés da que tratava o erro como motivo para punições e discriminações, afetando negativamente a auto-estima do aluno. É preciso saber trabalhar os erros dos alunos como forma de construção do conhecimento. A correção enérgica do erro provoca medo, culpa e perda de dignidade; três obstáculos à aprendizagem.(Vasconcellos,1993)
A reprovação não contribui em nada para a melhoria da qualidade do ensino.
Não há fundamento para a expectativa de que o aluno que repete vá trabalhar com sucesso os mesmos conteúdos no ano seguinte. Aliás, há várias pesquisas demonstrando justamente o contrário. Existe, na verdade, urgência em revermos nossos critérios e indicadores da avaliação. Estamos, afinal, diante de um fenômeno que desafia a todos : o alto índice de repetência.
A elevada taxa de repetência é um desafio para toda a sociedade brasileira. O fracasso, neste caso, é de todos, extrapola a comunidade escolar e fere a Nação. Os profissionais da educação precisam se conscientizar que esse fracasso não é só dos alunos e suas famílias; ele é fracasso do professor, das equipes técnicas, da direção, da escola, do sistema.
A prática da avaliação da aprendizagem revela, inclusive, que há uma competição entre os professores, principalmente, das séries mais adiantadas do 2o segmento do ensino fundamental e do ensino médio, por quem reprova mais. A idéia é a de que quanto maior o número de "notas vermelhas", melhor é o desempenho (nível de competência e de exigência) do professor. O bom professor - o mais sério, o mais criterioso, o mais competente - é aquele que atribui maior número de reprovações a seus alunos. Raramente, se associa as reprovações ao desinteresse, displicência e incompetência do professor. Nesses moldes, o processo de avaliação não está centrado nem no processo ensino- aprendizagem, nem no "caminho" escolar- de acertos e erros - do aluno. Mais grave ainda é a culpabilização do aluno por não ter aprendido e, por extensão, a de seus pais. É através destas visões distorcidas e totalmente equivocadas que se realimenta um dos mecanismos mais graves de exclusão social.
Por outro lado, muito se tem trabalhado em prol de uma educação de qualidade para todos neste país. Mas há muito o que fazer ainda. Consideramos um avanço significativo se pensarmos - e construirmos na prática - em nossas escolas a avaliação como elemento realmente integrador entre a aprendizagem e o ensino. Como instrumento de reflexão crítica da prática pedagógica e como ferramenta útil à melhor compreensão pelo aluno do seu processo de construção do conhecimento.
O uso de vários instrumentos de avaliação e, principalmente, de avaliação continuada permite que o professor acompanhe passo a passo o aprendizado de seus alunos e imprima o ritmo adequado de cumprimento do programa do curso. Antes de avançar, o professor verifica, por avaliações, se a turma está preparada para isso. O professor deve estar disposto e preparado para situações em que não consegue "sinal verde" para avançar. O desafio é buscar formas diferentes de trabalhar o conteúdo e a escola deve exercer a sua responsabilidade de apoiar, principalmente facilitando o trabalho de equipe dos professores.
Caminho difícil e lento, de atalhos imprevistos e de recomeços inumeráveis, requer firmeza, obstinação e, principalmente, esperança - atributos que não faltam, certamente, aos educadores brasileiros.
Que este texto tenha instigado as reflexões de quem o leu. Não há receitas gerais de sucesso garantido. Na prática pedagógica, como na vida, as coisas não acontecem do jeito mais cômodo, como nos aponta Bertold Brecht : "... pelo mapa / ir é fácil ...", mas sim ao sabor dos versos do poeta espanhol Antonio Machado : `... o caminho se faz ao caminhar..." 

Fonte: http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/ceae/m2/complementar3_2.htm

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